quinta-feira, 6 de novembro de 2008

V FÓRUM UNGASS AIDS BRASIL – CARTA DE SÃO PAULO

O Fórum UNGASS Brasil acompanha, desde 2003, a implementação das metas da Declaração de Compromissos assumidas pelo governo brasileiro na Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre AIDS – UNGASS[1]. A nossa quinta reunião nacional, realizada em 16 e 17 de maio de 2008, em São Paulo, teve como pauta o relatório-país enviado para o UNAIDS em 31 de janeiro de 2008. Sobre os resultados do V Fórum UNGASS AIDS Brasil, gostaríamos de compartilhar as seguintes observações:

Com a aproximação da Reunião de Alto Nível em HIV/AIDS (RAN)[2] evidencia-se uma conjuntura internacional que desconsidera a AIDS como agenda prioritária, mesmo que esta continue a ser uma emergência global sem precedentes, exigindo ações que promovam também o desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, consideramos que a liderança regional do Brasil é essencial e estamos preocupados com a não-participação do Ministro da Saúde José Gomes Temporão na RAN, mesmo reconhecendo a importância da presença da Ministra Nilcéa Freire. Nos somamos aos esforços do Programa Nacional de DST/AIDS em promover a participação do Ministro da Saúde e, assim, mobilizar a presença de outras autoridades de primeiro escalão da América Latina no evento;
Valorizamos a parceria com a sociedade civil, que pela primeira vez, desde 2001, foi convidada a contribuir com a elaboração do relatório-país. Entretanto, ressaltamos o descumprimento de dois acordos importantes com as ONG e a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com AIDS: a) o questionamento ao indicador n° 16, que não deveria ter sido respondido; b) a devolução do relatório em tempo hábil para apreciação da sociedade civil antes de seu envio ao UNAIDS. Atualmente o PN-DST/AIDS elabora o projeto para o Fundo Global de AIDS, Tuberculose e Malária, o qual, esperamos, seja devolvido à sociedade civil com tempo hábil para análise, conforme pactuado, antes de submetido ao Fundo Global[3];
Do conjunto de indicadores utilizados pelo UNAIDS para acompanhar as respostas nacionais, o Brasil não possui informações de base nacional em relação a 12 deles – 6, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 18, 19, 20, 21 e 23. Preocupa-nos a carência de dados específicos sobre as populações nas quais se concentra a epidemia de AIDS. Apesar da menção de que muitas pesquisas estão em curso, consideramos que ainda é limitado o acesso aos seus resultados e à análise crítica dos mesmos;
Sobre “acesso universal”, o relatório não deixa claro se os critérios adotados foram sobre estimativa de HIV ou notificação de AIDS e diagnóstico tardio no contexto deste processo;
Sobre a “sustentabilidade da resposta nacional” [4], não é apresentado um panorama de fato, relacionam-se despesas e recursos alocados sem, entretanto, apresentar uma análise sobre o tema proposto. Aqui seria oportuna ênfase à necessidade de modificação na legislação de patentes no país e a adoção de medidas que permitam o estímulo à produção nacional, por exemplo;
Sobre a participação da sociedade civil destacamos o descumprimento, pelos gestores, das decisões do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Citamos como exemplos: a) O CNS aprovou em 2005, por unanimidade, resolução determinando que o governo emitisse licenciamento compulsório dos mais caros medicamentos anti-Aids usados: o Kaletra (Abbott), o Nelfinavir (Merck) e o Tenofovir (Gilead). A resolução não foi acatada pelo Ministro da Saúde; b) na XIII Conferência Nacional de Saúde, o CNS se manifestou contrário à criação das Fundações Estatais de Direito Privado considerando a proposta inconstitucional, no entanto, gestores das três esferas de governo vêm descumprindo esta decisão. Assim, sugerimos para os próximos relatórios, um trabalho mais profundo que permita “qualificar” a participação da sociedade civil nos processos de construção das respostas ao HIV/AIDS e saúde, bem como inserir dados sobre a contrapartida deste segmento para o enfrentamento da epidemia. No Brasil, a existência de espaços de participação não é um indicador suficiente para apontar as complexidades do processo, especialmente nos Estados e Municípios;

Algumas experiências apontadas como exitosas no Relatório-país são ainda frágeis e incipientes. Entre as quais destacamos:

1. A baixa resolutividade das ações do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas[5]; a inexistência de ações direcionadas a jovens vivendo com HIV/AIDS (JVHA), – o PN-DST/AIDS tem discutido diretrizes para uma política junto a JVHA desde o ano de 2003, quando realizou as oficinas macro-regionais pelo Brasil; o fato de a maioria das ações para jovens entre 13 a 19 anos serem desenvolvidas pela sociedade civil, com apoio do governo e agências internacionais, mas sem a orientação de política específica;
2. As dificuldades do MonitorAids não são apontadas claramente no relatório. Apesar da existência de diferentes sistemas de informação no país (SIS, SIA, SIAB, SIM, SINAN, SINASC, SIREX HIV...) consideramos um desafio a inexistência de um sistema integrado que permita cruzamento mais rápidos entre dados coletados;
3. Ao contrário do que diz o relatório, o Conselho Empresarial Nacional (CEN) não tem demonstrado eficácia na abordagem do preconceito e discriminação no local de trabalho; não elabora Programas nacionais para reinserção das pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) no mercado, tampouco combate situações de exclusão do emprego por “testagem compulsória” para o HIV; os programas de Prevenção no local de trabalho limitam-se a ações pontuais nas SIPAT. A assessoria jurídica do GAPA/SP, por exemplo, registra aproximadamente 12 novos casos trabalhistas por mês. Além disso empresas, usam sua filiação ao CEN para refutar na Justiça denúncias de demissão de PVHA;

Outro aspecto ausente do relatório é o fato que o Estado brasileiro também viola os direitos das PVHA e descumpre a legislação vigente, a exemplo de diversos concursos públicos no Brasil que ainda solicitam a sorologia para HIV[6][7]. O PN-DST/AIDS tem acessado tais denúncias, via relatos das Assessorias Jurídicas que financia, via mídia e reivindicação das próprias ONG[8];
O Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas relatou dificuldades na grande maioria dos estados e municípios, relacionadas à: pequena oferta de insumos de prevenção, como preservativos – principalmente femininos– e lubrificantes; partos desumanizados, desrespeito aos direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres e/ou gestantes soropositivas nos serviços de referência; desconhecimento da disponibilidade e do manejo da Profilaxia Pós Exposição ao HIV. Apontamos, ainda a inserção de forma fragmentada das mulheres que vivem com HIV e AIDS nas instâncias de controle social, principalmente no que diz respeito à elaboração estadual e municipal do Plano de Enfrentamento de Feminização da Epidemia de AIDS.

Assim, solicitamos uma reunião com o PN-DST/AIDS, a ser realizada o mais brevemente possível, com representantes da RNP+, do MNCP, da CNAIDS, do Conselho Nacional de Saúde e do Fórum UNGASS Brasil para, a partir do Relatório-país, discutirmos conjuntamente as prioridades para o período 2008-2010 das metas UNGASS AIDS no Brasil.

Solidariamente,
Alessandra Nilo
GESTOS-PE
Américo Nunes
InstitutoVida Nova
Ana Cristina Carvalho de Oliveira
Associação de Luta pela Vida
Antonio José Barbosa Figueiró Junior
RNP+ MA
Áurea Celeste da Silva Abbade
GAPA-BR/SP
Fábio Pereira Neto
RNP+C – Curitiba/PR
Fátima Baião
GAPA-BR/SP
Francisco Nery Vasconcelos Furtado
Katiró – Núcleo Diversidade Sexual
Francisco Rodrigues dos Santos
Gapa-PA
Gladys Almeida
Gapa-Bahia
Jair Brandão de Moura Filho
GESTOS-PE
Janet Alves da Silva
Associação Agá &Vida
Jenice Pizão
Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas
Joel Valentim de Alencar
Solidariedade e Vida
José Carlos Veloso
Gapa-BR/SP – GT UNAIDS
José Marcos de Oliveira
RNP+ /Movimento AIDS /
Conselho Nacional de Saúde
José Reginaldo Mesquita da Silva
RNP+Tocantins
Laurinha de Souza Brelaz
RNP+ Rede Amizade e Solidariedade as Pessoas com HIV/Aids
Luiz Souza Morais
RNP+Piauí
Luizabeth de Araújo Amorim
Fórum de Mulheres de Pernambuco
Márcia Nogueira Ribas
Gapa-DF
Miriam Fialho da Silva
Casa Herbert de Souza
Moysés Longuinho Toniolo de Souza
RNP+BA / CNAIDS
Oswaldo Braga Junior
MGM / CNAIDS
Patrícia Werlang
GAPA – RS
Paulo Giacomini
RNP+Sampa / GT UNAIDS
Rodrigo de Souza Pinheiro
Fórum ONG AIDS do Estado de São Paulo
Vitor Albuquerque Buriti
Missão Nova Esperança
Wendel Alencar de Oliveira
RNP+ Nordeste / Colegiado Nacional da RNP+
São Paulo, maio de 2008.
[1] http://www.unaids.org/en/AboutUNAIDS/Goals/UNGASS/default.asp
[2] 9-11 de Junho/Nações Unidas - NY – http://www.unaids.org/Services/events/event.aspx?EventID=1033&displaylang=en&y=2008&m=5
[3] Na 1ª Assembléia Extraordinária do MCP/FG a ser realizada no dia 30 de maio de 2008 em Brasília.
[4]Pág. 64
[5] Págs. 43 e 44
[6] Em 12/05/ 2008 o Jornal de Brasília trouxe denúncia sobre a exigência de exame de HIV de aprovados em concurso para professores para ingresso na corporação do Exército. Segundo a reportagem, a denúncia foi feita pelo jornal no dia 08 de abril e, no dia 10, a Seção de Imprensa do Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) informou que o exame não mais seria exigido. Uma deputada distrital e uma ONG entraram com representação na Procuradoria Geral da República. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou em nota que “a exigência do exame de HIV no concurso é claramente ilegal por ser discriminatória”. Apesar disso, a exigência continuou no edital.
[7] Em 20 de abril de 2006, a Gestos encaminhou denúncia ao Ministério Público de Olinda, informando e pedindo providências contra a conduta discriminatória e excludente daquela prefeitura por ter lançado edital de concurso para o preenchimento de cargos do seu quadro de pessoal no dia 30 de março de 2006, autorizado pelo decreto nº 325/2005, na qual etapa obrigatória e eliminatória no item 9 (dos exames de saúde e aptidão física) obrigava os candidatos a realizarem testes de sífilis, doença de chagas, hepatite B, anti-HIV, hepatite C e beta HCG. Apesar de irmos ao Ministério Público prestar depoimento, o processo continua parado até hoje.
[8] A portaria interministerial 869, de 1992, proíbe o teste anti-HIV nos exames médicos admissionais, periódicos e demissionários.

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